Notícias | 25 de novembro de 2014 14:25

Judiciário: mudança sem reforma

* Flávia de Almeida Viveiros de Castro

Tomasi diLampedusa, ao escrever o célebre “IL Gattopardo”, certamente não tinha em mente promover mudanças no Poder Judiciário, já que a obra tem ambiência em uma Itália marcada pela decadência da nobreza, instável em suas relações de poder. Entretanto, a lucidez do personagem Fabrizio Salina pode ser aproveitada em qualquer contexto, por apontar como imprescindível a capacidade de adaptação aos novos tempos de todos os que pretendem manter o status quo do poder que corporificam.

Não é de hoje que se discute em diversos fóruns sobre a necessidade de mudança no Poder Judiciário, para que se mantenha a credibilidade desta instituição como adequada para a solução dos conflitos de interesse em uma sociedade democrática, moldada pelo Estado de Direito, que tem no respeito aos poderes constituídos um de seus fundamentos.

A mudança, de fato é imprescindível, mas, como no célebre romance de Lampedusa, sem a necessidade de medidas traumáticas, custosas, demoradas e ineficientes. Mudança de atitude e algumas alterações na gestão dos processos seriam suficientes para que a pecha de inoperante atribuída ao Poder Judiciário pudesse ser definitivamente afastada.

Mudança de atitude e alterações na gestão dos processos seriam suficientes para que a pecha de inoperante pudesse ser afastada

A identificação do problema surge como um fator dinamizador da solução. No caso do Poder Judiciário, há quem aponte como sua principal mazela a demora na solução dos litígios. Não é esta, entretanto, a questão: o busilis não é tanto o retardamento da prestação jurisdicional, mas, sobretudo, a falta de previsibilidade quanto ao fim do processo.

Se há uma afirmação que hoje o advogado jamais pode fazer ao cliente é quanto ao prazo em que ele obterá uma sentença. E isso angustia e, muitas vezes, revolta aquele que precisa da solução do litígio, bem como encarece o processo, além de refletir negativamente sobre as relações pessoais e contratuais.

Não há quem, sendo litigante habitual, deixe de pensar na falta de previsibilidade da solução da lide, como um fator a ponderar quando há uma questão patrimonial ou contratual a resolver. Esta imprevisibilidade para a solução do caso pode, inclusive, afastar o cidadão ou empresa da via judicial, já que, como sabido, Justiça que tarda falha, invariavelmente.

A identificação da crítica maior feita pelas partes litigantes como sendo a imprevisibilidade da entrega da solução do litígio pelo juiz, fez com que a 6ª Vara Cível da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, iniciasse um projeto piloto, inspirado na tese de doutorado da professora Petra Pekannen” DelayReductiononCourtsof Justice: PossibilitiesandChalenges”, que foi apresentada na Universidade de Lappeenranta, Finlândia, em 2011.

No Brasil, como na Finlândia, guardadas as devidas proporções concernentes às dimensões do país, número de cidadãos e quantitativo de processos, o problema da falta de previsão quanto à entrega da sentença constitui-se em uma dificuldade de fundamental relevância, inclusive para a manutenção da credibilidade no próprio Poder Judiciário.

Desta forma, a proposta foi estabelecer, por meio de um mecanismo de consenso, obtido por meio de audiências de todos os principais propulsores do andamento do processo – advogados, juízes, serventuários – níveis distintos para o enquadramento dos feitos, a fim de pré-determinar o prazo do depósito da sentença nos autos.

Fixados os níveis (de acordo com o grau de complexidade das causas), estabelecidos os prazos (inclusive com previsão de intercorrências não desejadas, mas possíveis, que eventualmente atrasam o andamento dos feitos), foram implantadas as datas máximas para publicação das sentenças, o que têm ocorrido, para alívio e satisfação final do usuário.

Mudança, reforma, são estratégias que há muito vêm sendo tentadas para que o Poder Judiciário possa cumprir seu papel com eficácia. O tema não é novidade: a mudança de atitude é. E parafraseando André Guide, se tudo já foi dito uma vez, mas ninguém escutou, é preciso dizer de novo.

Flávia de Almeida Viveiros de Castro é juíza titular da 6ª Vara Cível da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, doutora em direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em direito pela PUC-Rio e professora da PUC-Rio e FGV

Fonte: Valor Econômico